segunda-feira, março 17, 2008

Voo Nocturno em Portalegre




"Os momentos que antecederam o início do espectáculo foram de expectativa.

Que Jorge Palma se apresentaria ali nesta noite? Em que estado e com que disposição?

Os relatos atribulados de anteriores concertos e os muitos episódios rocambolescos que ajudaram a criar uma aura mística sem par, digna desta figura icónica na música portuguesa, adensavam o mistério.

A sua fama de boémio, de ébrio, de libertino, a longa e pública relação de excessos com o álcool e com a vida deixavam no ar uma bruma de dúvidas sobre o espectáculo ao qual iríamos assistir.

Para mim, a excitação era ainda maior por ser a primeira vez que o via actuar depois de ter perdido algumas exibições por inusitados acasos sendo o mais flagrante o do concerto de Marvão, ao qual falhei por ser em vésperas de exame final de admissão às Finanças. Esse ficou-me atravessado e deixou-mas prometidas.

Felizmente, o Jorge Palma do CAEP na noite de 15 de Março de 2008, foi um Jorge Palma no seu melhor, ou por outras, um grande Jorge Palma.

As luz ténue que acompanhou a sua entrada revelou-nos um palco despido, onde apenas contava um piano, dando o mote para uma noite de récita solitária.

Todo de negro, com ar simpático e sorridente, apenas acompanhado por uma guitarra acústica, arrancou de pé a fundo para uma noite memorável protagonizada por um Palma em todo o seu esplendor.

Connosco esteve o poeta, o guitarrista virtuoso, o brilhante pianista, o grande músico, o animal de palco… o Palma entertainer, que conta piadas, quebra silêncios, interage com a plateia e reclama por um mais que merecido copo de vinho que teimou sempre em não chegar.

O bilhete dizia “Jorge Palma – Voo Nocturno” mas o que nós vimos foi muito mais que a apresentação do seu último e mui aclamado trabalho.

Após dois ou três temas novos onde passou com distinção provando que uma só guitarra pode ter tantos cambiantes, sentou-se ao piano e desfilou os obrigatórios “Frágil”, “Dá-me lume” e “Bairro do Amor” e os não tão óbvios “Disse fêmea” e “Estrela do Mar”, este último numa interpretação particularmente magnífica.

Sumptuoso e inesquecível o medley do poema musicado de Al Berto “Acordar tarde” e a “Valsa de um homem carente” de Carlos Tê.

Chamou então a si o seu filho Vicente, companheiro já habitual nestas andanças pelos palcos e a duas vozes (de timbres idênticos) e a duas guitarras contaram a história do “Jeremias, o fora-da-lei”, passearam pela “Terra dos Sonhos” (onde a gente trata a gente toda por igual) e terminaram numa cavalgada épica com uma interpretação bem esgalhada e quase western de “Dormia tão sossegada”.

Depois sentou-se, olhou para o line up na folha junto aos pés, sorriu e disse: “e agora é hora de ir-me embora” e saiu, fazendo graça à sua falta de atenção.

Regressou para o “já planeado” encore e saiu com a plateia de pé, rendida à sua hora e meia de encantos.

A magia não é negra, nem se esconde na manga, mas acontece de cada vez que um homem só, de tão pequena estatura, consegue sacar algo de dentro de si que o agiganta ao ponto de encher o palco, a sala e as nossas mentes e corações.

Louvor e distinção para o excelso trabalho de iluminação de Carlos Gonçalves que verdadeiramente roçou a perfeição. Genial na materialização dos cenários sonoros e no acompanhamento dos temas, ilustrando-os, imprimindo-lhes força e vida, ajudando-nos a compreende-los e a admirá-los em toda a sua magnitude. Notável!..."

Artigo e fotos gentilmente cedidas por Pedro Sobreiro


2 comentários:

Maurette disse...

Magnífico artigo. Estou sem fôlego, estarrecida. Graças a ti, Pedro, "assisti" ao concerto, mesmo a milhas e milhas de distância! Obrigada!

Maurette

Anónimo disse...

olá Maurette, 'té já

jorge