A guitarra a tiracolo
O Jorge é do tempo da guitarra a tiracolo e do estojo franqueado na estação do metro. A música pop anglo-saxónica estava em vias de influenciar o planeta e acelerar rumo à sua própria irrelevância. Depois de trucidadas pelo vídeo, as canções volatilizaram-se nos vários suportes que a indústria, na última década, não se cansou de inventar. Hoje servem para sincronizar em telenovelas e publicidade ou para toques de telemóvel. O Jorge, porém, manteve-se imperturbável e continuou a fazê-las na sua língua mãe. Ainda hoje pode abrir o estojo e tocá-las numa plataforma do metro com a mesma verdade com que as toca no palco do CCB. Nele, as canções conservam a substância sonhadora e os fãs cantam-nas como aconchegantes salmos da vida urbana. Não sabem explicar porquê, mas sentem que o Jorge Palma é um espírito errante, um dos últimos apóstolos dum evangelho pop apócrifo que já teve um perfume redentor e que agora é apenas mais um respeitável produto de mercado. No fundo, o Jorge continua a trazer a guitarra a tiracolo, e os inveterados crentes da música popular urbana sempre amaram mais os que caminham com a guitarra a tiracolo entre as luzes da ribalta.
Carlos Tê
Último Metro - 14 de Novembro
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