Imenso... Maior...
Na primeira fila do teatro, sentada à esquerda bem em frente ao piano (dele), lugar conquistado por um generoso bafejo da sorte, espero como se estivesse em casa. Nem a memória contabiliza os milhares de quilômetros sobre o oceano, o vôo noturno a cruzar o Atlântico aninhado em calmarias, o cheiro recém-chegado de um Velho Mundo novo. Espero, apenas. Como se vê-lo assim, a tão poucos metros, fosse natural, um ato corriqueiro de comprar bilhetes, entrar, assistir, antecipando o que viria com algo há muito conhecido.
Mas não.
Sou uma recém-chegada de meses.
E mesmo rodeada de connaisseurs, ainda assim estou onde penso que sempre estive.
Olho para o palco e os instrumentos. Sinto o cheiro ressecado da máquina de fumaça, igual a tantas outras pelo mundo afora. Observo o assistente de palco a ajustar fios, ligações, guitarras, microfones. Tudo tranquilo, com ar de tertúlia doméstica.
E eis que entra no palco, com quase nenhum atraso, aquele por quem eu esperava sem sentir que tanto esperava.
Jorge Palma.
Desta vez em pessoa, não só na alma, e muito além dela.
Olho-o como se fosse sempre, respiro como se fosse verdade.
Calmo, comum-dos-mortais, no palco como na sala de estar, vai à guitarra. Do fundo da luz e da fumaça, vem o surdo retumbar que anuncia O tempo dos assassinos.
Quero o silêncio do arco-íris/Quero a alquimia das estações/Quero as vogais todas abertas/Quero ver partir os barcos...
Sigo o cortejo desse querer. Olho sem enxergar, ouço sem ouvir, e nesse momento há duas de mim: uma que se dá conta que de facto está ali, depois de muito navegar por bravios mares e astutas ondas, e que não quer deixar de beber um segundo que seja de música e letra, luzes, gestos e cores. E outra que acha tudo tão natural, a tirar fotografias entre atenta e displicente...
Jorge Palma é, nesse momento, o instante único. Que metade de mim sorve lentamente e metade de mim registra para a posteridade.
Aos poucos, Jorge e a sua amada música acabam conseguindo que as duas metades se encontrem. Olho muito para suas mãos, mágicas ao piano como eu imaginava. E engasga-me a vontade de pedir música, apenas uma, a que mais me acaricia. Mas calo-me enquanto todos pedem, ele brinca, rimos todos como se fosse na verdade uma grande conversa, não um espetáculo.
E vêm então as outras canções, as que ouvia compulsivamente em junho/julho passados, quando o conheci, e que fui arquivando na alma aos poucos, delicadamente, com folhas de papel-de-seda entre elas, para que não amarelecessem nunca... Essa miúda, O meu amor existe, a dobradinha Meu amor (não fiques para aí a dormir)/Obrigação, a lindíssima Quem és tu de novo?... E músicas do esperado disco novo, como Encosta-te a mim, Tomada da Bastilha e uma que, só por não saber, resolvemos chamar de Justine e Baltazar, e que ainda ninguém conhecia – todas entremeadas às velhas conhecidas do coração, como Frágil, O lado errado da noite, Eu fui um lobo malvado. Às tantas arrisquei pedir Estrela do Mar, com medo de que ele se afastasse do piano e eu ficasse sem a minha mais querida.
- Sabes que estava pensando mesmo nessa? – foi o sorriso de resposta, seguido pelos familiaríssimos acordes duma abertura que se pregou definitivamente dentro de mim desde o primeiro momento, para nunca, nunca mais descolar.
Agora as duas dentro de mim olham fixamente para aquelas mãos a delirar pelo teclado. Se conseguisse tirar-lhes uma foto... ah, mas a foto não há de guardar o movimento, essa febre, esse motiv que me esforço por acompanhar, mas debalde, mãos e teclado são um caso de amor à parte, vedado à curiosidade alheia.
Fim da noite em Santa Maria da Feira. E ainda não foi desta vez que pude olhar nos olhos daquele sorriso. Mas foi como se levasse a terra dos sonhos para casa comigo, a caminho de Coimbra, alguns dias depois, onde o inimaginável, de mãos dadas com a poesia, estava pronto para receber-me.
Falta pouco para anoitecer e chego a Coimbra afobada, atrasada. Não sei por que o destino sempre me fazia correr em Portugal, a tomar e perder comboios, a subir escadas com malas impossíveis... Encontro a amiga que me esperava, dou um rasante até o hotel e vou ter com Paula, assistente do Jorge Palma, para um jantar combinadíssimo. Às oito em ponto estava no hotel e, recebida com carinho, juntei-me aos músicos já reunidos à mesa. A doce Paula tinha sorrisos mesmo cansada, diante do olhar sempre carinhoso do marido, motorista da produção. Em conversa descobrimos que tínhamos em comum uma produção, nos idos de 2000, que levou Rui Veloso ao Brasil. Chegam os filhos de Jorge; Vicente, 24 anos, e Francisco, 12. Galantérrimos, rodeiam a mesa cumprimentando a todos, beijando as senhoras (belos meninos modernos de antigamente).
Ao término, somos levados ao teatro de operações da Queima. Recebo um crachá que me permite circular por todos os espaços, camarins, área privada, backstage. Observo com interesse a banda inglesa Os Líquido, que faz a abertura, e antevejo promessas.
Findo o intervalo estou sentada sobre uma caixa blindada, ao lado do marido da Paula, quando Jorge Palma chega – e vem logo em minha direção. Nosso primeiro olá é feito de sorrisos e abraços, uma química imediata recheada com a sua melhor lembrança do Brasil:
- Ah, Chico Buarque! “O que será, que será...” - e acontece o inevitável: cantarolamos. Afinal, Chico é parte da alma. Da minha e da dele.
- Topas cantar isso a capella comigo?
Nem titubeei, aceitei no ato. E eis que o Jorge abraça-me e leva-me diretamente ao palco, justo na hora de começar o espetáculo, com a maior naturalidade desse mundo. E lá estou eu entre a cegueira e o microfone, diante de muitos mil, quando já nem adiantava dizer que não sei a letra, esperaí que preciso lembrar...
- Canta!
Cantei. Quatro ou cinco estrofes, e que me perdoe o querido Chico, não necessariamente na ordem. E assim, entre um beijo e um obrigado, conheci Jorge Palma e sua impetuosa naturalidade.
Fiquei a recuperar-me no backstage, tomada do êxtase que precede a loucura. Pouco a pouco, ao som de Só, Tomada da Bastilha (esse “vermelho”, aliás, promete), Minha Senhora da Solidão, Frágil, Bairro do Amor, Espécie de vampiro e o Encosta-te a mim, entre outras tantas, fui voltando ao meu estado dito “normal”.
Após o show continuamos a conversa. Um cigarrinho fumado ao pé do palco, os dois sentados na armação de ferro, só a meio abrigo da friagem, a trocar idéias muito naturalmente. Pouco antes, alguns estudantes paramentados que furaram o bloqueio tiravam fotos com ele e o apresentavam a uma japonesa chamada Ai, que falava pouco português. Alguém lhe pediu que ensinasse algo ao Jorge Palma, e a moça ensaiou uma palavra agora impossível de recordar, mas que queria dizer “Parabéns”. Foi um bom momento para apreciar o trânsito fácil do Jorge com seus fãs. É mesmo uma pessoa de igual para igual, definitivamente despida das máscaras que alguns artistas, de tão acostumados, não conseguem mais tirar. Transformam-se nelas.
Estarreja, 12 de maio, o dia seguinte de uma noite sem dormir, e mais um concerto pela frente, o último da viagem. A saída de Coimbra por comboio foi uma operação militar, que sequer me permitiu um cochilo na convidativa cama do Residencial Botânico. Confesso que cheguei a suspirar por ela, mas a burocracia na gare impediu-me de transferir meu bilhete para mais tarde. Então, vamos lá, força e coragem! Às nove já estava a postos na plataforma de embarque, rumo ao Porto.
Os meus anjos da guarda palmaníacos no norte de Portugal, resgataram-me no final da tarde. Seguimos para Estarreja com direito, antes, a um delicioso passeio por São Jacinto até Torreira, a ver os barcos e os pescadores a puxar suas redes e cantar, num belo quase-anoitecer.
No Cine-Teatro de Estarreja encontramos uma amiga deles, que me deu o prazer da companhia na Fila I, assentos 1 e 2.
Iluminação impecável, teatro magnífico, tudo a tempo e quase a horas. Senti saudades daquela primeira fila de Santa Maria da Feira, mas afinal, os assentos centrais não eram nada maus.
Jorge Palma entrou em cena com sua habitual simplicidade, sentou-se ao piano e...
o telemóvel tocou.
Com um sorrisinho sem-jeito para a platéia que já explodia em riso, atendeu tranqüilamente e despachou-se. E aproveitou o momento com aquele charme que é só seu: contou duas boas histórias de telemóveis inoportunos, uma delas passada na Escócia, dedilhou uns acordes do hino escocês e pronto, já nos ganhava a todos.
Em seguida tentou entender-se com Acorda, menina linda, a canção que escolheu para começar. Mas a menina linda não quis mesmo nada com ele naquele momento.
- Next! – sentenciou, com um muxoxo. E embarcou, impecável, no prelúdio da “minha” Estrela do Mar.
Só ele sou fiel e é ele quem me protege quando alguém quer, à força, ser dono de mim...
(Sei não, acho que é por essas palavras que amo tanto essa sua canção...).
E aí, mais uma vez e com toda a força, o seu poder tomou, avassalador, o palco inteiro. E Jorge Palma fez o que quis e o que não quis com voz e letras, piano, guitarra, por vezes em dueto com o filho Vicente, mas quase sempre só, só por existir, por duvidar e nunca, nunca desistir do que tem de melhor, único, inequívoco: a autenticidade a toda prova, o fazer por puro prazer, por pura poesia... A ponto de meter meio corpo dentro da caixa do piano de cauda e tocar diretamente nas cordas, a ponto de improvisar ligações belíssimas entre as canções, a ponto de deixar visíveis muitas cores da alma, misturadas aos infinitos tons de uma iluminação irrepreensível, esta em si uma viagem.
Fim do espetáculo, cansaço, abraços, o riso franco que é a cara dele. E a vontade de conversar sem tempo com esse homem singular, personagem do mundo, dono de uma vontade e de um talento no mínimo espantosos e um carisma quase paralisante.
Vontade que não ficou só na vontade... mas isso já é uma outra história.
Maurette Brandt – Rio de Janeiro, Brasil
Na primeira fila do teatro, sentada à esquerda bem em frente ao piano (dele), lugar conquistado por um generoso bafejo da sorte, espero como se estivesse em casa. Nem a memória contabiliza os milhares de quilômetros sobre o oceano, o vôo noturno a cruzar o Atlântico aninhado em calmarias, o cheiro recém-chegado de um Velho Mundo novo. Espero, apenas. Como se vê-lo assim, a tão poucos metros, fosse natural, um ato corriqueiro de comprar bilhetes, entrar, assistir, antecipando o que viria com algo há muito conhecido.
Mas não.
Sou uma recém-chegada de meses.
E mesmo rodeada de connaisseurs, ainda assim estou onde penso que sempre estive.
Olho para o palco e os instrumentos. Sinto o cheiro ressecado da máquina de fumaça, igual a tantas outras pelo mundo afora. Observo o assistente de palco a ajustar fios, ligações, guitarras, microfones. Tudo tranquilo, com ar de tertúlia doméstica.
E eis que entra no palco, com quase nenhum atraso, aquele por quem eu esperava sem sentir que tanto esperava.
Jorge Palma.
Desta vez em pessoa, não só na alma, e muito além dela.
Olho-o como se fosse sempre, respiro como se fosse verdade.
Calmo, comum-dos-mortais, no palco como na sala de estar, vai à guitarra. Do fundo da luz e da fumaça, vem o surdo retumbar que anuncia O tempo dos assassinos.
Quero o silêncio do arco-íris/Quero a alquimia das estações/Quero as vogais todas abertas/Quero ver partir os barcos...
Sigo o cortejo desse querer. Olho sem enxergar, ouço sem ouvir, e nesse momento há duas de mim: uma que se dá conta que de facto está ali, depois de muito navegar por bravios mares e astutas ondas, e que não quer deixar de beber um segundo que seja de música e letra, luzes, gestos e cores. E outra que acha tudo tão natural, a tirar fotografias entre atenta e displicente...
Jorge Palma é, nesse momento, o instante único. Que metade de mim sorve lentamente e metade de mim registra para a posteridade.
Aos poucos, Jorge e a sua amada música acabam conseguindo que as duas metades se encontrem. Olho muito para suas mãos, mágicas ao piano como eu imaginava. E engasga-me a vontade de pedir música, apenas uma, a que mais me acaricia. Mas calo-me enquanto todos pedem, ele brinca, rimos todos como se fosse na verdade uma grande conversa, não um espetáculo.
E vêm então as outras canções, as que ouvia compulsivamente em junho/julho passados, quando o conheci, e que fui arquivando na alma aos poucos, delicadamente, com folhas de papel-de-seda entre elas, para que não amarelecessem nunca... Essa miúda, O meu amor existe, a dobradinha Meu amor (não fiques para aí a dormir)/Obrigação, a lindíssima Quem és tu de novo?... E músicas do esperado disco novo, como Encosta-te a mim, Tomada da Bastilha e uma que, só por não saber, resolvemos chamar de Justine e Baltazar, e que ainda ninguém conhecia – todas entremeadas às velhas conhecidas do coração, como Frágil, O lado errado da noite, Eu fui um lobo malvado. Às tantas arrisquei pedir Estrela do Mar, com medo de que ele se afastasse do piano e eu ficasse sem a minha mais querida.
- Sabes que estava pensando mesmo nessa? – foi o sorriso de resposta, seguido pelos familiaríssimos acordes duma abertura que se pregou definitivamente dentro de mim desde o primeiro momento, para nunca, nunca mais descolar.
Agora as duas dentro de mim olham fixamente para aquelas mãos a delirar pelo teclado. Se conseguisse tirar-lhes uma foto... ah, mas a foto não há de guardar o movimento, essa febre, esse motiv que me esforço por acompanhar, mas debalde, mãos e teclado são um caso de amor à parte, vedado à curiosidade alheia.
Fim da noite em Santa Maria da Feira. E ainda não foi desta vez que pude olhar nos olhos daquele sorriso. Mas foi como se levasse a terra dos sonhos para casa comigo, a caminho de Coimbra, alguns dias depois, onde o inimaginável, de mãos dadas com a poesia, estava pronto para receber-me.
Falta pouco para anoitecer e chego a Coimbra afobada, atrasada. Não sei por que o destino sempre me fazia correr em Portugal, a tomar e perder comboios, a subir escadas com malas impossíveis... Encontro a amiga que me esperava, dou um rasante até o hotel e vou ter com Paula, assistente do Jorge Palma, para um jantar combinadíssimo. Às oito em ponto estava no hotel e, recebida com carinho, juntei-me aos músicos já reunidos à mesa. A doce Paula tinha sorrisos mesmo cansada, diante do olhar sempre carinhoso do marido, motorista da produção. Em conversa descobrimos que tínhamos em comum uma produção, nos idos de 2000, que levou Rui Veloso ao Brasil. Chegam os filhos de Jorge; Vicente, 24 anos, e Francisco, 12. Galantérrimos, rodeiam a mesa cumprimentando a todos, beijando as senhoras (belos meninos modernos de antigamente).
Ao término, somos levados ao teatro de operações da Queima. Recebo um crachá que me permite circular por todos os espaços, camarins, área privada, backstage. Observo com interesse a banda inglesa Os Líquido, que faz a abertura, e antevejo promessas.
Findo o intervalo estou sentada sobre uma caixa blindada, ao lado do marido da Paula, quando Jorge Palma chega – e vem logo em minha direção. Nosso primeiro olá é feito de sorrisos e abraços, uma química imediata recheada com a sua melhor lembrança do Brasil:
- Ah, Chico Buarque! “O que será, que será...” - e acontece o inevitável: cantarolamos. Afinal, Chico é parte da alma. Da minha e da dele.
- Topas cantar isso a capella comigo?
Nem titubeei, aceitei no ato. E eis que o Jorge abraça-me e leva-me diretamente ao palco, justo na hora de começar o espetáculo, com a maior naturalidade desse mundo. E lá estou eu entre a cegueira e o microfone, diante de muitos mil, quando já nem adiantava dizer que não sei a letra, esperaí que preciso lembrar...
- Canta!
Cantei. Quatro ou cinco estrofes, e que me perdoe o querido Chico, não necessariamente na ordem. E assim, entre um beijo e um obrigado, conheci Jorge Palma e sua impetuosa naturalidade.
Fiquei a recuperar-me no backstage, tomada do êxtase que precede a loucura. Pouco a pouco, ao som de Só, Tomada da Bastilha (esse “vermelho”, aliás, promete), Minha Senhora da Solidão, Frágil, Bairro do Amor, Espécie de vampiro e o Encosta-te a mim, entre outras tantas, fui voltando ao meu estado dito “normal”.
Após o show continuamos a conversa. Um cigarrinho fumado ao pé do palco, os dois sentados na armação de ferro, só a meio abrigo da friagem, a trocar idéias muito naturalmente. Pouco antes, alguns estudantes paramentados que furaram o bloqueio tiravam fotos com ele e o apresentavam a uma japonesa chamada Ai, que falava pouco português. Alguém lhe pediu que ensinasse algo ao Jorge Palma, e a moça ensaiou uma palavra agora impossível de recordar, mas que queria dizer “Parabéns”. Foi um bom momento para apreciar o trânsito fácil do Jorge com seus fãs. É mesmo uma pessoa de igual para igual, definitivamente despida das máscaras que alguns artistas, de tão acostumados, não conseguem mais tirar. Transformam-se nelas.
Estarreja, 12 de maio, o dia seguinte de uma noite sem dormir, e mais um concerto pela frente, o último da viagem. A saída de Coimbra por comboio foi uma operação militar, que sequer me permitiu um cochilo na convidativa cama do Residencial Botânico. Confesso que cheguei a suspirar por ela, mas a burocracia na gare impediu-me de transferir meu bilhete para mais tarde. Então, vamos lá, força e coragem! Às nove já estava a postos na plataforma de embarque, rumo ao Porto.
Os meus anjos da guarda palmaníacos no norte de Portugal, resgataram-me no final da tarde. Seguimos para Estarreja com direito, antes, a um delicioso passeio por São Jacinto até Torreira, a ver os barcos e os pescadores a puxar suas redes e cantar, num belo quase-anoitecer.
No Cine-Teatro de Estarreja encontramos uma amiga deles, que me deu o prazer da companhia na Fila I, assentos 1 e 2.
Iluminação impecável, teatro magnífico, tudo a tempo e quase a horas. Senti saudades daquela primeira fila de Santa Maria da Feira, mas afinal, os assentos centrais não eram nada maus.
Jorge Palma entrou em cena com sua habitual simplicidade, sentou-se ao piano e...
o telemóvel tocou.
Com um sorrisinho sem-jeito para a platéia que já explodia em riso, atendeu tranqüilamente e despachou-se. E aproveitou o momento com aquele charme que é só seu: contou duas boas histórias de telemóveis inoportunos, uma delas passada na Escócia, dedilhou uns acordes do hino escocês e pronto, já nos ganhava a todos.
Em seguida tentou entender-se com Acorda, menina linda, a canção que escolheu para começar. Mas a menina linda não quis mesmo nada com ele naquele momento.
- Next! – sentenciou, com um muxoxo. E embarcou, impecável, no prelúdio da “minha” Estrela do Mar.
Só ele sou fiel e é ele quem me protege quando alguém quer, à força, ser dono de mim...
(Sei não, acho que é por essas palavras que amo tanto essa sua canção...).
E aí, mais uma vez e com toda a força, o seu poder tomou, avassalador, o palco inteiro. E Jorge Palma fez o que quis e o que não quis com voz e letras, piano, guitarra, por vezes em dueto com o filho Vicente, mas quase sempre só, só por existir, por duvidar e nunca, nunca desistir do que tem de melhor, único, inequívoco: a autenticidade a toda prova, o fazer por puro prazer, por pura poesia... A ponto de meter meio corpo dentro da caixa do piano de cauda e tocar diretamente nas cordas, a ponto de improvisar ligações belíssimas entre as canções, a ponto de deixar visíveis muitas cores da alma, misturadas aos infinitos tons de uma iluminação irrepreensível, esta em si uma viagem.
Fim do espetáculo, cansaço, abraços, o riso franco que é a cara dele. E a vontade de conversar sem tempo com esse homem singular, personagem do mundo, dono de uma vontade e de um talento no mínimo espantosos e um carisma quase paralisante.
Vontade que não ficou só na vontade... mas isso já é uma outra história.
Maurette Brandt – Rio de Janeiro, Brasil
5 comentários:
pois...pois
que texto fantástico Maurette. Nem vou por mais palavras para não estragar. Fiquei com muita vontade de vos conhecer...aos dois!!
Beijinhos
Linda e poética forma de descrever esse encontro tão planeado e tão vivido.
Parabéns Maurette
Beijos
Ana
...posso imaginar cada segundo, cada respirar, cada gesto, cada emoção, cada lágrima contida, cada sorriso cúmplice teu...
*
e tu sabes do que tou a falar
;)
Brugna
Maurette, ao lêr o teu texto fizeste-me estar lá nos espetaculos, foi maravilhoso senti que o estava a vêr também. Realmento só tenho de te dizer parabéns pela forma como escreves, fazes sentir, fazes arrepiar. Muito obrigada.
Sublime!
Creio não ser necessário dizer mais e praticamente invejo essas noites irrepetíveis na companhia do Grande..
:)
MValente
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