quarta-feira, junho 27, 2007

Revisão crítica a Voo Nocturno

Jorge Palma está de volta três anos depois de “Norte” com um “Voo nocturno” especial.

O seu melhor disco, na sua própria concepção. “Este foi um disco que correu bem”. É assim que o próprio descreve o seu trabalho. Muito contente, com o resultado alcançado, nós também estamos. De facto o disco é uma pérola. Será discutível se será mesmo o melhor disco de Palma (“Só” continuará ainda a ser uma referência inolvidável), mas se não é, anda lá muito perto. Um disco intimista, construído com arranjos simples, gravado apenas pelo Jorge e os seus “demitidos”, é um disco quase acústico. Um convite a um eco social.
“Encosta-te a mim” é o single do álbum. Quanto a mim, não sendo a canção mais apelativa é uma bela balada de amor, típica de um Jorge maduro e pronto para finalmente, não só, se dar com toda a gente, mas se dar a alguém...
“Voo nocturno” é uma faixa retirada directamente do imaginário de Saint-Éxupery, e fala-nos de um Jorge que se sente mais leve do que o ar e que “só quer resistir”. É um belíssimo momento contemplativo e introspectivo onde a voz de Jorge é obrigada a atacar uma tassitura invulgarmente aguda para o próprio o que não deixa de ser um momento peculiar.
Segue-se “Rosa Branca”, e é um puro rock, com a guitarra eléctrica e o hammond organ a fazer-se ouvir. Um pequenino momento selvagem a lembrar aquele Jorge de outros tempos, do casaco de cabedal e da mota.
“O Centro comercial fechou”, é uma balada ao piano. O momento claramente mais pesado do disco é uma história social. Uma reflexão e uma intervenção aos momentos mais duros deste mundo, mostrando-nos o outro lado da vida, aquele menos bom, mas que também existe.
“Olá, cá estamos nós outra vez” é uma balada ociosa que atira para o passado. Jorge repega uma história antiga começada a contar num outro álbum e aqui dá-lhe uma continuação. Parecendo um mestre da banda desenhada ou do romance que vai buscar as referências antigas que já ninguém lembra e aparecem do nada no presente. A canção é melancólica e triste, mas por outro lado uma canção de esperança. Referências a Fausto ou a processos rítmicos utilizados pelos Da Weasel são assumidos.
“Abrir o sinal”, é um arranjo muito simples em que o Jorge toca o piano e a guitarra e é uma canção decalcada do um original inglês já composto há muitos anos atrás e agora recuperada. A técnica de reciclagem de material é sempre um bom recurso e Jorge sabe bem quando as coisas devem finalmente ver a luz e sair do baú. Belíssimo solo de piano, quase ao estilo de Jazz lounge.
“Gaivota dos Alteirinhos” é uma canção típica de Jorge, romântica que nos conta uma história claramente pessoal. A praia dos Alteirinhos é imaginada, e remete para uma experiência biográfica de Jorge. O acordeão nesta faixa empresta um novo tom a toda a canção tornando-a a mais étnica e a mais puramente portuguesa de todo o álbum.
Segue-se um inédito tema instrumental. Muito em jeito de chill-out lounge, quase um tema para ser incluído num disco do Buddha Bar. Jorge espraia-se pela melhor técnica do que aprendeu recentemente nas suas aulas no Hot Club em Lisboa.
“Vermelho redundante” é mais uma balada rock, desta vez com letra de Carlos Tê, é mais uma canção de amor, com laivos de sedução dos anos noventa.
“Quarteto da corda” é mais um petisco. Um jazz “maroto” e sedutor em que se conta uma história entre Justina e Baltazar que se entrecruzam com Cleia e Montolivo. Uma misturada das referências literárias de Jorge Palma. Um trocadilho amoroso e jocoso, com a tragédia misturada na criança que não sabe que não vai ter lar.
“Finalmente a sós” é o que se pode chamar um lamento rockado. Jorge, enérgico, grita a plenos pulmões e expande-se no infinito nesta faixa, onde a guitarra eléctrica e o hammond, condizentes, se mostram poderosos.
“A velhice” é uma pequenina canção de menos de um minuto a (quase) fechar o álbum. Um momento cénico resulta de uma colaboração para uma peça de João Lagarto e é um belo Dixie a fazer lembrar uma antiga colaboração também com João Lóio (E como eras linda).
Após tudo isto, uma faixa escondida, desta vez sem rabo de fora. Ruídos de rua começam-se a ouvir, após o que Jorge se apresenta a solo com a guitarra cantando uma naïf canção em inglês. Claramente um regresso ao passado, ao tempo em que ainda cantava no metro de Paris para ganhar o pão.
Jorge maduro, de bem com a vida e a recomendar-se, a mostrar o que de melhor sabe fazer. É sempre um prazer tê-lo a voar connosco.
Artigo de Tiago Videira

11 comentários:

Anónimo disse...

acho que um álbum de versões, como o "Só", nunca pode ser o melhor álbum... qualquer um dos de originais lhe é superior (e não só por ser de originais). e quanto ao inédito instrumental? o sr. Tiago Videira não fez o trabalho de casa:) labirinto, a(s) onda(s), o amigo das plumas coloridas, no metro de Paris, castor, sem passaporte, mancha de café...

boa crítica, mas preferia não a ter lido, porque o dia 2 ainda vem lá longe (nem por isso, mas parece!).

abraços
.nã.

Musicologo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Musicologo disse...

Meu caro, inédito porque nunca antes fora editado e é o único do disco!

Não é o facto de ser instrumental que é inédito, JP está farto de fazer instrumentais...

A respeito do "Só",

Quanto a essa do "qualquer um dos de originais lhe é superior" decididamente não compro. O trabalho de enriquecer só com um piano o que antes era feito por uma banda completa é notável, além desse álbum se destacar completamente do contexto do que era (e é) a música Portuguesa. Definitivamente o "Só" foi um passo em frente muito bem dado e, na minha modesta opinião, valorizou imenso todas as canções que contém. (Quanto melhor não soa o Jeremias com a roupagem de Ragtime, do que com o tosco arranjo original de country?... Ou a estrela do Mar com os decalques de Debussy e o intermezzo à la Chopin?...). Mas pronto, isso admito ser subjectivo.

Anónimo disse...

Sem querer entrar na discussão do "melhor" álbum, uma coisa é certa: inédito neste contexto nunca será pela primeira vez, mas sim como disse Tiago Videira, único neste disco. Na continuação de excelentes instrumentais como referiram anteriormente. Por isso neste nada demonstra que Tiago Videira não tenha feito o trabalho de casa.
Aguardamos pelo dia 2....

Maurette disse...

Que me perdoe o Sr. Anónimo acima, mas a palavra "inédito" significa que é nova, nunca antes divulgada ou editada... O texto do Tiago, além de interessante e maduro, demonstra um profundo conhecimento de causa - não apenas do ponto de vista musical, mas também do ponto de vista da obra do Jorge Palma. Discorre com facilidade e estilo, toca em pontos cruciais, elucida - e emociona, com vivas cores poéticas. Porque todos nós sabemos do que ele está falando. Da beleza e do prazer que a música do Jorge põe na nossa vida.

Anónimo disse...

Profundo conhecimento de causa? mas já toda a gente ouviu o disco menos eu??? deixem-se mas é de tretas, comprem o disco, ouçam-no até se fartarem e depois vão aos concertos do homem que vale a pena. A seguir podem também comprar o disco da Amy Winehouse e ouvirem até se fartarem, que também vale a pena. Já agora, um abraço a todos sem excepção, porque é tudo gente com bom gosto.

Álvaro Almeida disse...

Bem, dando aqui apenas a minha opinião, após ouvir o Vôo Nocturno já várias vezes, não acho que seja o melhor album. Para mim o Norte é mesmo o melhor. Mas isto é só a minha opinião. Concerteza que o Vôo Nocturno também está muito bom, mas penso que o Norte é um disco mais homogéneo, o que faz dele um album melhor de ouvir. Acho que há algum desfasamento entre as músicas no Vôo Nocturno, devido à mistura de estilos de música. No entanto não deixarei de o ouvir...e comprar.

Anónimo disse...

Belo texto, bela descrição. Um raio x perfeito ao próximo álbum.
Apenas uma ligeira correcção, se me permitirem: a praia dos Alteirinhos não é imaginada, é uma pequena praia perto da Zambujeira do Mar, onde o nosso magnânimo melómano costuma venarear.

David 

Cool Breeze disse...

Quando estará o vídeo disponível?

Anónimo disse...

meus caros musicólogo, nuno moura e maurette: realmente, admito ter interpretado mal a questão do inédito... ñ era suposto atingir ninguém, muito menos suscitar indignação e descontentamento. foi tudo muito inocente e na desportiva. além disso, adorei a crítica do sr. videira, embora me tivesse despertado ansiedades desnecessárias, só isso.
quanto ao "só"... é muito intimista e adoro-o. foi, de facto, marcante. mas acho que o especial valor do Jorge está mais no acto da composição, e não tanto nas roupagens que decide dar às músicas. prefiro a versão ragtime do jeremias, sim, mas (pf ñ me interpretem mal!) qualquer grande músico pega numa canção e lhe dá a roupagem que entender. agora... compô-la? dá-la à luz? cuspi-la? fazê-la aparecer do nada? isso sim, é obra. e era só aí que queria chegar. o jeremias, até numa versão punk ficava bem... calhou ter gravado o álbum assim. nós sabemos do que ele é capaz:) se fosse no dia a seguir poderia ser uma versão barroca, poderia nem ter aquela linda intro maléfica, se bem calha. ele poderia ter gravado mais de trinta "Sós", cada um melhor que o outro. felizmente um deles ficou gravado:)

resta-nos agora ouvir o voo nocturno até nos babarmos, porque isto é lindo!!!
ainda bem que partilhamos todos este (bom) gosto:) quem ganha somos nós!
abraços.
.nã.

p.s.: como seria mais interessante discutir tudo isto pessoalmente, e tocar umas guitarradas... para disfrutar um pouco da companhia de quem aprecia o mesmo que nós (e para ñ fazer estes comentários gigantes!) quantas vezes acho que sou o único a delirar com certas músicas menos faladas (junto à ponte, passos em volta, yoggi pijama, eu sei lá...). quantas vezes sinto que ninguém o ouve, que não lhe dão o devido valor...

pelo menos nós damos, certo?

fiquem bem

Anónimo disse...

E ontem foi mais um momento JP.
A linha naïf continua a surpreender (me). Uma dor doce é o que sinto quando as canções se espraiam no palco...quando tentamos adivinhar... e agora?... e é sempre uma surpresa.
Um grande concerto. Jorge Palma nunca me desiludiu, a cores ou a preto e branco a 2 ou a 3 dimensões. Aquilo que transparece na transcendência das letras é culto. Agnóstica, ateia, herege para alguns, quando ouço os acordes de um qualquer piano dedilhado por Jorge Palma, sinto-me verdadeiramente devota de alguma coisa.