O músico faz amanhã 60 anos. O i foi descobrir os pontos cardeais que o orientam
No espaço de dias, chegaram dois postais à caixa de correio de Manuel Moura dos Santos. No primeiro, Jorge Palma descrevia as férias em Veneza com detalhes realistas em tempo real: "Estou a caminho do aeroporto. E já estou atrasado." No segundo, acrescentava um pormenor de última hora que, se fosse dito na sua voz, só poderia sair com um tom relaxado: "Perdi o avião."
Nada que surpreenda quem trabalha há anos com o músico que todos descrevem como um "atrasado crónico" que teima em achar que o tempo é elástico. No escritório da agência MS Management, em Lisboa, as vozes atropelam-se na hora de despejar os episódios do backstage. Das vezes em que entra em palco sem alinhamento, das vezes em que até o tem mas não o segue - quase todas -, da vez em que deixou um quarteto de cordas num CCB esgotadíssimo de cabelos em pé porque começou com uma música que não estava no plano e apenas deu uma indicação no segundo anterior aos primeiros acordes: "Esta é em mi!"
Manuel Moura dos Santos, agente do músico desde 1997, garante que nunca o foi rebocar a casa. Mas acrescenta: "Eu não vou, mas alguém vai por mim. O que não é normal é não ter de ir buscá-lo." E solta-se a gargalhada cúmplice.
Rui Braga entrou assustado na carreira de road manager do Jorge Palma, há quatro anos. Muitos lhe perguntavam: "Sabes onde te estás a meter?" Todos os métodos que tinha usado com outros artistas com o Palma 99% das vezes eram falíveis. Pressionar não adiantava. Ralhar também não. "Em última instância, ele é meu patrão. E não vou ralhar com um homem de 60 anos." Palma chega quase sempre em cima da hora do concerto e naqueles últimos 10, 15 minutos "entra em estado zen". O público pode estar impaciente, os produtores podem estar aos berros, mas Jorge Palma não entra sem pelo menos dez minutos de pausa para um cigarro. Com o andamento na estrada, o roadie aprendeu que a única forma de ter Palma despachado a tempo e horas é manipulando o tempo: se algo está agendado para as 18h, diz-se que é às 15h. "O pior é que ele também já percebeu isso", brinca.
"O Braga tem de fazer grandes intervenções psicológicas. Devia ter um subsídio qualquer", interrompe Carlos Gonçalves, o técnico de luz que, pressionado por um amigo começou a acompanhar Jorge Palma na estrada há 13 anos. "Foi amor à primeira vista e vício à terceira." Acompanhou os tempos de todos os excessos, o período sem álcool, a ressaca do álbum "Norte", a febre "Encosta-te a Mim", que resultou em 80 concertos num ano, e é um verdadeiro arquivo ambulante de histórias. Carlos recorda como, de há uns anos para cá, para não atrasar o trabalho da equipa, Palma começou a ir para os concertos noutro carro. Para facilitar, o músico contratou até um motorista: um velho amigo, Lourenço, que também toca as suas músicas na baixa lisboeta. Não ajudou muito: Lourenço é igualmente despistado. "Mesmo com GPS uma vez íamos ter um espectáculo em Sesimbra e eles tinham ido parar a Alcochete."
Apesar da desorientação e do seu carácter imprevisível, Palma nunca falhou um concerto. Um dia, entre um espectáculo em Faro e outro na Covilhã, o músico teve um acidente de carro. Até os GNR lhe diziam: "Concerto na Covilhã? O melhor é desmarcar, nunca mais lá chega." Mas Palma chegou, de táxi, à 1h30, quatro horas depois da hora marcada. No tempo de espera, a equipa ia ouvindo as histórias e os mitos habituais: "O Jorge foi visto a beber copos no Fundão." Fabulou-se, mas ninguém arredou pé. Palma ainda teve tempo de deliciar o público com uns contratempos. Primeiro, arrancou a corda a uma guitarra. Depois, sentou-se ao piano, e tocou a "Estrela do Mar" num piano de plástico, de que a equipa se tinha esquecido em cima do outro.
Em casa, Jorge Palma também tem quem o oriente: a actriz Rita Tomé. Vivem juntos há 11 anos e casaram-se há ano e meio, numa capela em Las Vegas. Também ela se habituou a organizar as camisas para os concertos, a ajudar a procurar os recibos verdes ou a partitura, ou a esperar por ele, claro. "Acabo sempre por stressar um bocado à espera dele. É assim em concertos e em jantares de família. Não adianta, ele tem sempre aquele delay", brinca, enquanto Jorge Palma, saído do banho, espreita pela porta de pés descalços, roupão de banho japonês e cabelos eriçados, pede "chiu" levando o indicador aos lábios e diz: "Eu não estou cá." Acabará por voltar e sentar-se no sofá, a reclamar da gata preta que "arranha e mija tudo", enquanto afirma: "Ainda vou a tempo de envelhecer como o Leo Ferré".
Rita Tomé habituou-se a ver gente desesperada à procura do Palma e truz truz urgentes na porta. E conhece de cor o carinho pelo músico com quem todo um Portugal parece já ter vivido uma história. Ainda há uma semana, a caminho do Rock in Rio, um homem interpelou-o do carro ao lado. "Ó Jorge, não te lembras de mim?" Palma arregalou os olhos como quem se lembra, empurrou o tronco e soltou: "Vai para o caralho, pá, por tua culpa parti o carro todo do meu pai!"
Nada que surpreenda quem trabalha há anos com o músico que todos descrevem como um "atrasado crónico" que teima em achar que o tempo é elástico. No escritório da agência MS Management, em Lisboa, as vozes atropelam-se na hora de despejar os episódios do backstage. Das vezes em que entra em palco sem alinhamento, das vezes em que até o tem mas não o segue - quase todas -, da vez em que deixou um quarteto de cordas num CCB esgotadíssimo de cabelos em pé porque começou com uma música que não estava no plano e apenas deu uma indicação no segundo anterior aos primeiros acordes: "Esta é em mi!"
Manuel Moura dos Santos, agente do músico desde 1997, garante que nunca o foi rebocar a casa. Mas acrescenta: "Eu não vou, mas alguém vai por mim. O que não é normal é não ter de ir buscá-lo." E solta-se a gargalhada cúmplice.
Rui Braga entrou assustado na carreira de road manager do Jorge Palma, há quatro anos. Muitos lhe perguntavam: "Sabes onde te estás a meter?" Todos os métodos que tinha usado com outros artistas com o Palma 99% das vezes eram falíveis. Pressionar não adiantava. Ralhar também não. "Em última instância, ele é meu patrão. E não vou ralhar com um homem de 60 anos." Palma chega quase sempre em cima da hora do concerto e naqueles últimos 10, 15 minutos "entra em estado zen". O público pode estar impaciente, os produtores podem estar aos berros, mas Jorge Palma não entra sem pelo menos dez minutos de pausa para um cigarro. Com o andamento na estrada, o roadie aprendeu que a única forma de ter Palma despachado a tempo e horas é manipulando o tempo: se algo está agendado para as 18h, diz-se que é às 15h. "O pior é que ele também já percebeu isso", brinca.
"O Braga tem de fazer grandes intervenções psicológicas. Devia ter um subsídio qualquer", interrompe Carlos Gonçalves, o técnico de luz que, pressionado por um amigo começou a acompanhar Jorge Palma na estrada há 13 anos. "Foi amor à primeira vista e vício à terceira." Acompanhou os tempos de todos os excessos, o período sem álcool, a ressaca do álbum "Norte", a febre "Encosta-te a Mim", que resultou em 80 concertos num ano, e é um verdadeiro arquivo ambulante de histórias. Carlos recorda como, de há uns anos para cá, para não atrasar o trabalho da equipa, Palma começou a ir para os concertos noutro carro. Para facilitar, o músico contratou até um motorista: um velho amigo, Lourenço, que também toca as suas músicas na baixa lisboeta. Não ajudou muito: Lourenço é igualmente despistado. "Mesmo com GPS uma vez íamos ter um espectáculo em Sesimbra e eles tinham ido parar a Alcochete."
Apesar da desorientação e do seu carácter imprevisível, Palma nunca falhou um concerto. Um dia, entre um espectáculo em Faro e outro na Covilhã, o músico teve um acidente de carro. Até os GNR lhe diziam: "Concerto na Covilhã? O melhor é desmarcar, nunca mais lá chega." Mas Palma chegou, de táxi, à 1h30, quatro horas depois da hora marcada. No tempo de espera, a equipa ia ouvindo as histórias e os mitos habituais: "O Jorge foi visto a beber copos no Fundão." Fabulou-se, mas ninguém arredou pé. Palma ainda teve tempo de deliciar o público com uns contratempos. Primeiro, arrancou a corda a uma guitarra. Depois, sentou-se ao piano, e tocou a "Estrela do Mar" num piano de plástico, de que a equipa se tinha esquecido em cima do outro.
Em casa, Jorge Palma também tem quem o oriente: a actriz Rita Tomé. Vivem juntos há 11 anos e casaram-se há ano e meio, numa capela em Las Vegas. Também ela se habituou a organizar as camisas para os concertos, a ajudar a procurar os recibos verdes ou a partitura, ou a esperar por ele, claro. "Acabo sempre por stressar um bocado à espera dele. É assim em concertos e em jantares de família. Não adianta, ele tem sempre aquele delay", brinca, enquanto Jorge Palma, saído do banho, espreita pela porta de pés descalços, roupão de banho japonês e cabelos eriçados, pede "chiu" levando o indicador aos lábios e diz: "Eu não estou cá." Acabará por voltar e sentar-se no sofá, a reclamar da gata preta que "arranha e mija tudo", enquanto afirma: "Ainda vou a tempo de envelhecer como o Leo Ferré".
Rita Tomé habituou-se a ver gente desesperada à procura do Palma e truz truz urgentes na porta. E conhece de cor o carinho pelo músico com quem todo um Portugal parece já ter vivido uma história. Ainda há uma semana, a caminho do Rock in Rio, um homem interpelou-o do carro ao lado. "Ó Jorge, não te lembras de mim?" Palma arregalou os olhos como quem se lembra, empurrou o tronco e soltou: "Vai para o caralho, pá, por tua culpa parti o carro todo do meu pai!"
3 comentários:
É toda esta forma de estar que o fazem um ser humano tão especial.
Este homem, o seu trabalho, para mim é paixão. Este texto está excelente. Eu não teris escrito melhor (risos)
Parabêns Jorge
tenho visto vários concertos teus e todos eles são diferentes, é sempre uma lufada de ar fresco.
És um ser humano incrivel.
Continua a dar-nos boa música como só tu sabes fazer, pelo menos por mais 60 anos.
Bem Haja
"Enquanto houver estrada para andar a gente vai continuar..."
Carmo Gonçalves
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